Afirmar que não existe música boa nos tempos atuais é inadmissível. Hoje em dia, o fácil e democrático acesso à informação e a produções culturais contemporâneas já é capaz de praticamente aniquilar esse argumento. A nova cena musical é riquíssima e deve ser fomentada de todas as formas, inclusive na inclusão de artistas iniciantes e emergentes em line ups de festivais – até mesmo porque essa é (ou deveria ser) a principal finalidade desse tipo de evento. Mas nós não temos o direito de também querer ouvir, nem por um momento, as nossas músicas do coração?
A arte serve para alimentar nossa alma e expandir nossa consciência. E de fato, quanto mais bagagem cultural adquirimos, mais enriquecemos a nossa existência e melhor lidamos com as adversidades que a vida real nos impõe. Mas há uma cobrança pela busca de novos sons e em um ritmo tão frenético que, remando contra a maré, também defendo o direito de termos um momento de ouvirmos nossas músicas de conforto.
Após a pandemia, o mercado dos grandes festivais de música cresceu exponencialmente, e aliado à tendência da nostalgia, artistas que tiveram o auge do sucesso em décadas passadas estão cada vez mais marcando presença neles, como Akon no Rock in Rio ou Blink-182 no Lollapalooza.
Não só “momentos nostalgia” tem se tornado mais comuns como também têm surgido festivais inteiros com essa temática, seja segmentando por estilos musicais – como o emo, por exemplo – ou focando em uma época específica, como os anos 1980, 1990 ou 2000.
Quando se fala nesse tipo de evento, muitos são os problemas apontados, como a questão de dar espaço para artistas já estabelecidos ao invés de músicos que precisam de visibilidade e renda, e que o público supostamente não teria interesse em conhecer artistas novos.
Em parte, é verdade. Mas também é ingenuidade achar que todos os artistas escalados continuam ricos tal qual na época de seu auge. A principal renda dos músicos brasileiros vem de shows, e não de direitos autorais (coisa, inclusive, que a cena alternativa sabe muito bem). Mas principalmente, não dá para responsabilizar o público e os gostos pessoais dele por todo o mecanismo atual da indústria musical que precisa urgente de uma reformulação.
É legítimo e urgentemente necessário o fomento à cena artística emergente, seja abrindo novas casas de shows de pequeno e médio porte, revendo a arrecadação de direitos autorais em plataformas e streaming e elaborando novas estratégias de divulgação para o underground e o midstream. Mas também é legítima uma certa demanda do público de consumir artistas já consolidados e que lhe trazem alguma memória afetiva.
Esses dias, vi uma proposta interessante para esse impasse: o recolhimento de 1% das vendas de ingressos de grandes shows e festivais para um fundo de apoio a casas e artistas independentes. Um bom começo para um problema cultural e econômico, reorganizando os agentes de fato responsáveis.