
Se tem uma coisa que define mais o Brasil do que futebol e samba, é a síndrome de vira-lata do brasileiro, ou seja, que o que é de fora é sempre melhor.. O Rio Grande do Sul se distingue um pouco pelo seu bastante conhecido bairrismo, mas ele ainda apresenta, em uma curiosa contradição, uma dose de viralatismo. A fim de mostrar, lembrar e cultivar as raízes culturais do sul da América do Sul, o Chisme Festival teve sua primeira edição no último sábado, dia 30 de novembro, no Jockey Club do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre. Diverso, plural e bem organizado, o evento cumpriu sua missão e trouxe de volta naquele momento o orgulho do regionalismo desta região através da música, da arte e da gastronomia.
A frase “Longe Demais das Capitais”, que dá nome ao disco e à música do Engenheiros do Hawaii, me faz pensar nessa questão. Por mais que essa frase seja mais metafórica do que de fato geográfica, e apesar de Porto Alegre ser, sim, razoavelmente distante do centro econômico brasileiro, a capital gaúcha – e a região Sul inteira – fica a algumas poucas horas de países da América do Sul, como Uruguai, Argentina e Paraguai, o que faz com que a identidade e o intercâmbio culturais daqui sejam muito peculiares, e por isso merecedores de atenção. Ou seja: longe de que capitais?
Nessa canção, o que Humberto Gessinger fala nas entrelinhas é de um provincianismo da cidade, que sim, ainda existe. Mas o Chisme conseguiu resgatar as heranças negras e indígenas da cultura daqui, que são tão importantes quanto às europeias, mas que não têm tanta visibilidade. Pudemos nos lembrar delas nos shows da gaúcha Nina Fola e do grupo uruguaio F5 e nas apresentações do DJ Gigio e da artista argentina Tayhana, por exemplo. Outra atração cujo trabalho rompe com os padrões conservadores da música tradicionalista gaúcha foi a Clarissa Ferreira, que repensa e questiona o lugar da mulher no ambiente pampiano contemporâneo.
Um dos shows de destaque foi o da Shana Müller, cantora de música nativista que está completando 20 anos de carreira e que apresentou um repertório repleto de boleros e candombes. O show mais aguardado era de Vitor Ramil, que no formato voz e violão imprimiu o sentimentalismo presente no cotidiano de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul no geral – inclusive as músicas mais aguardadas eram as do disco Ramilonga – A Estética do Frio (1997), um importante testemunho do Brasil subtropical, pouco lembrado. O festival também contou com apresentações de Thays Prado, Esteban Tavares, e Maracatu Truvão com La Brasa Lunera.

Enquanto o cardápio do Chisme contou com gastronomia uruguaia e argentina, como pancho, empanada e bebida à base de mate, houve também intervenções artísticas de Camila Proto e Demétrio Xavier. A pista de dança também recebeu os DJs Elle P, GB e Daniel Villaverde, com o melhor da música latina.
A primeira edição do Chisme Festival foi muito bem-sucedida, tanto pela sua organização quanto pela proposta importante. O local onde foi realizado do evento, o Jockey Club, se mostrou ótimo para eventos de pequeno e médio porte, com arquibancadas e bom espaço para circulação de pessoas, além de ter um belo visual. Que seja o primeiro de muitos shows lá, e que a segunda edição do Chisme, que está prevista para 2025, seja ainda maior.