Desde que fui repórter na editoria de Polícia de um jornal impresso em Gravataí, comecei a entrar em grupo de comunidade de bairros. Os empregos foram mudando, fui trabalhando com novas editorias e grupo foram se somando. São fontes importantes de informação. Permitem acompanhar o que as pessoas estão discutindo, o que está acontecendo em diferentes lugares. Mas também são avalanches diárias de notícias falsas.
Vejo de tudo, mentiras sobre políticas, alertas falsos do “novo golpe”, histórias falsas com um final bonito para comover. Não consigo acompanhar todos os grupos, muito menos desmentir todas as fakes que vejo. Mas quando percebo que alguma é potencialmente danosa, acredito que até por dever de ofício, preciso ajudar a desmentir. E isso, ocasionalmente, pode resultar em alguma dor de cabeça com o autor da publicação.
Outro dia, li algo muito absurdo em um grupo. Não vou mencionar a notícia falsa em si, para não alimentar. Mas falava sobre o risco de demissões em massa. Busquei algumas fontes que mostrassem que aquilo não era verdade e compartilhei como resposta. A minha surpresa veio pouco tempo depois, uma mensagem muito educada no privado.
O senhor que havia feito a publicação original dizia que tinha apagado, que não sabia que era falsa, pedia desculpas e perguntava como verificar se algo era verdade. Respondi que ele não precisava se desculpar, que por trabalhar com a busca pelas informações, eu já estou mais acostumado e dei algumas dicas de como identificar uma mentira na internet.
Plot twist, final feliz? Não. No mesmo dia, poucas horas depois, no mesmo grupo, o mesmo cara, compartilhava uma série de mentiras ainda maiores, falando, inclusive, na iminência de uma guerra civil no Brasil. Não me senti confortável de desmentir novamente. Talvez eu tenha errado, mas ali eram coisas tão absurdas que só acreditaria quem realmente estivesse com vontade de acreditar.
Estou convencido que as mentiras mais absurdas que recebemos em grupos têm o objetivo de alcançar apenas aqueles que querem acreditar nessas bobagens. Talvez, semelhante a uma criança, que conforme vai crescendo, começa a se dar conta que o Papai Noel não existe, mas, antes de aceitar a realidade, ainda menti para si mesma, esperando que se convencer da fantasia seja capaz de mantê-la real.
O próprio Hobbes, ainda que enfatize a racionalidade na construção de nosso contrato social, reconhece que paixões humanas como medo e ambição moldam a dinâmica política. Hanna Arendt também entende a ação política como uma revelação do eu, conectada às experiências afetivas.
Entendendo a política como um lugar de afetos, não apenas de racionalidade, imagino que causei um profundo desgosto em meu colega de grupo. A notícia falsa que desmenti, na verdade, não assustava, mas alimentava um amor por uma maneira de compreender a realidade, que não tem tanta relação com a razão. Se a verdade contrariar a crença, talvez, ele prefira a crença.